Carta Extra: O que é simbolismo?
Simbolismo e romantismo. Simbolismo e literatura. Simbolismo e arte. Simbolismo e religião. Mas, afinal, o que é simbolismo?
Para Pedro Sette-Câmara
Simbolismo no Brasil é algo imensamente popular ao mesmo tempo que é algo extremamente fugidio. Certamente, desde alguns anos, as pessoas passaram a prestar mais atenção nesse tema, especialmente por causa da associação entre simbolismo e astrologia.
Mas isso não significa que elas tenham passado a entender mais sobre o assunto.
Não, nem de longe. Até mesmo veteranos erram. Aliás, até mesmo quem é veterano na questão do simbolismo erra a respeito dessa matéria, como é o caso de Pedro Sette-Câmara, que ultimamente tem postado uma série de Stories no Instagram e, algum tempo atrás, um texto de sua newsletter no Substack sobre o tema. E a visão que ele tem merece muita repreensão — e sou eu quem passará a reprimenda.
O problema de Sette-Câmara com o simbolismo, parece, vem de ordem girardiana: há uma vontade enorme de recém-chegados à literatura (ampliarei o problema para «as artes») de enxergarem símbolos ocultos, imagens herméticas, nos textos. No proceder, transformam a vontade em pedra-de-tropeço. E quanto mais difícil é não tropeçar na pedra, mais vontade têm de meter a pedra no caminho. Só que não precisavam disso:
[M]ythos significa apenas «história».... Os mitos gregos foram tão trabalhados e retrabalhados pela literatura. Calímaco de Cirene, nascido 310 anos antes de Cristo, funcionário do Museu de Alexandria... escreveu vários hinos para demonstrar sua erudição. Conhecia vários mitos relativos a vários deuses. Ele nunca disse que tal mito representava a alma não sei quê fazendo a grande coisa metafísica. («021 Ulisses: saqueador, naufragado, ou...?» 2 out. 2021)
Ainda de acordo com Sette, a maior parte das coisas, por mais que você as destranque, não vão arrebatar ninguém ao terceiro céu. Num Story recente, ele escreveu:
Quando fui fazer grego na UFJR, eu queria ler os Evangelhos. Eu achava que encontraria mil segredos místicos.... [Mas] o grego do Evangelho é MUITO FÁCIL (comparativamente). Eu estava preparado para algo iniciático e transcendental, que eu valorizava PORQUE era difícil. Masoquismo.
Em que pese que eu concordo que quem chega ao assunto simbolismo tem um deslumbramento muito caipira («O que é este chapéu?» «Por que o autor diz que ele deu três voltas?» etc. etc.), não me parece certo, ou sério, desdenhar da realidade do simbolismo na expressão humana — muito menos se ao buscarmos pelo seu nome mais «simbolismo» no Google cai, na primeira página da pesquisa, uma apostila co-escrita por você sobre astrologia e...
... e, bem, simbolismo.
Como surge o simbolismo?
No que Sette-Câmara fala sobre o simbolismo, seja no texto da newsletter ou nos Stories sobre o assunto, o que ele fala redunda no papel da mitologia, especialmente a mitologia grega. «Sei bem que aqui estou indo contra o senso comum que vê nos mitos uma espécie de tesouro de sabedoria», ele diz na newsletter que citei acima. Depois, resumindo a análise que o Prof. John Freccero faz de Ulisses em Dante: The Poetics of Conversion, assevera:
Todos os nobres sentimentos associados a Ulisses são desmistificados. O Ulisses de Dante não está preocupado nem com o filho, nem com a esposa Penélope, que é o modelo mesmo da fidelidade. O que esse Ulisses tem é Wanderlust.
E pondo um último prego no caixão da mitologia, arremata:
Quem insere «simbolismos» em narrativas (100% do simbolismo dos «mitos» foi inserido por filósofos muito depois do surgimento dos mitos) são sociedades secretas, ou então pessoas como Dante, que escrevem dialogando com uma tradição.
Claramente, Sette-Câmara limita-se a referir-se por «mitologia» aos mitos gregos. E mesmo quando ele não se reporta apenas a esses mitos, mas a narrativas deles derivadas, o desdém permanece. Num Story, falando de quando começou a associar algumas cenas de Fúria de Titãs (1980) à teoria simbólica de Jung, ele fala: «oh foi mal caiu farofa da minha boca junguiana».
Tendo dito isso, surgem aqui duas coisas importantes para falarmos sobre as características do simbolismo.
A primeira é que, de fato, se formos limitar o simbolismo à mitologia grega, de fato, é possível dizer que a história dos deuses e dos heróis, que envolve muito estupro, muita morte, e muita vigarice, passou por um processo razoável de maquiagem. É possível mesmo que a maior parte das histórias sejam versões brandas e alegóricas de acontecimentos factuais que aconteceram há muito tempo. Como o próprio Pedro Sette-Câmara gosta de repetir, a história da Medusa — a deusa dos cabelos de serpente que transforma todos os homens em pedra tão logo eles olhem-na — provavelmente foi uma jovem que foi terrivelmente desfigurada.
Contudo, esse destaque do fato empírico e de seu significado ulterior, simbólico, que enxergamos na mitologia grega antiga é um proceder universal de qualquer história. Como diz o ditado, quem conta um conto aumenta um ponto. Essa é uma característica do simbolismo. Com efeito, não é preciso nem ser grego, nem antigo, e nem grego antigo para que isso aconteça. Tampouco a história precisa ser «antiga». Basta que ela exista.
Mircea Eliade (Cosmos & History, tr. Willard R. Trask, New York, Harper Torchbooks, 1959, pp. 44-46) conta a história dum jovem romeno, muitos tempos atrás, que foi enfeitiçado por uma fada da montanha, enciumada de que ele fosse se casar com outra mulher. Por vingança, ela faz que ele caia do penhasco, sendo encontrado no dia seguinte por três pastores que o trouxeram de volta ao vilarejo. Sua noiva, vendo seu amor nos braços da morte, cai em prantos e entoa um triste lamento, cheio de alusões mitológicas. Ele morre.
A «realidade», porém, era bem mais simples. Em primeiro lugar, a história não ocorrera «muitos tempos atrás», mas sim no início do século XX, cerca de quarenta anos antes do folclorista Constantin Brăiloiu registrá-la, o que foi feito, anota Eliade, antes da II Guerra Mundial. A maior parte dos contemporâneos do fato real ainda estavam vivos — inclusive a própria noiva. O «triste lamento, cheio de alusões mitológicas» na realidade eram os hinos soturnos da liturgia ortodoxa romena. Já a fada da montanha que empurrou o jovem noivo foi somente a sua desatenção: ele escorregou e caiu do morro.
A questão aqui é que o processo de mitologização de uma ocorrência histórica é algo congenial à natureza narrativa humana. Quase todas as culturas tendem à simplificação e à unificação (salvo exceções como o Budismo e a cultura ocidental contemporânea, que são pulverizantes e atomizantes, graças ao seu piso epistemológico nominalista, conforme expus neste livro). A grande busca da humanidade é o «mínimo múltiplo comum» existencial: quando se ferve a vida até a redução, sobra apenas seu elixir, para usarmos uma figura simbólica. Essa vontade de simplificação ganha mais volume com o desenvolvimento do Cristianismo: se em Deus «cremos, nos movemos, e existimos», como diz o apóstolo S. Paulo, convém que o que nasce da inteligência humana, ou que tenha procedência puramente natural, ligue-se de algum modo à divindade, ou à sua «lógica». E é por isso que toda arte, onde quer que seja, «reduz-se à teologia», para citar S. Boaventura. As coisas acontecem em «sacrifício»: fazem-se sagradas.
Portanto, ainda que a história da Medusa tenha alguma ligação com uma moça que fora violentada «muito tempo atrás», o próprio ato de violência já está no mito, e essa mitologia, de alguma forma, conecta-se à divindade, à religião, ou ao território sagrado. O mero fato da história da Medusa ter acontecido «muito tempo atrás» já faz parte duma lógica mitológica, porque tudo que aconteceu «muito tempo atrás» (in illo tempore, como diz Eliade, roubando o texto da missa). O que aconteceu «muito tempo atrás» se torna um arquétipo, um modelo, um paradeigma, para usar uma expressão platônica usada tanto no sentido de «padrão a ser imitado» (A República 500B) como no sentido de «modelo divino» ou «celeste» (A República 592B). (Sobre passado, arquétipo, e mitologia, veja-se Northrop Frye, The Great Code: The Bible & Literature, San Diego, Harvest, 1982, p. 84.)
Imagens, simbolismo, e moralidade
Isso não significa que as paradeigmata impliquem moralidade. A leitura simbólica não se preocupa com a «moralidade» das histórias e dos mitos. Portanto, mesmo que se admita a tese que Sette-Câmara, na esteira de Girard, aventa, de que «o sagrado primitivo se baseie no assassinato», conforme ele diz num Story, não se segue que a leitura simbólica sirva para «esconder o assassinato» porque não estamos participando do sagrado primitivo ou antigo. Como Frye argumenta (Anatomy of Criticism, Princeton, Princeton University Press, 1957, p. 140), a análise simbólica de histórias e narrativas não se dá por uma leitura cerrada da obra, mas por um afastamento dela. A crítica simbólica (ou, como ele chama, arquetípica) está para a literatura como a geometria está para a pintura (ibid., pp. 134-135).
Logo fica revelado que a análise e identificação dos símbolos (e arquétipos e imagens) é uma questão de estrutura, e não de moralidade. Parece-me certo dizer que qualquer edifício, antigo ou moderno, clássico ou contemporâneo, tenha alicerces, colunas, e teto. Qualquer narrativa vai apresentar símbolos, unidades, «fonemas» estruturantes que podem ser remetidos a arquétipos, a fundamentos. Enfim, a paradeigmata.
No fim das contas, não importa muito se Ulisses se identifica, como o próprio Pedro Sette-Câmara recorda em seu texto no Substack, como «saqueador de cidades»; tampouco importa se a Medusa foi uma garota que foi violentada Deus sabe quando. Importa se Stendhal, para escrever O Vermelho e o Negro, livro mui bem-quisto por Sette-Câmara, tenha se servido de dois crimes? Importa que a Viagem de Chihiro seja baseada nas alucinações traumatizadas duma garota horrivelmente estuprada?
E, em sentido contrário, importa se a viagem noturna de Dante pelo Inferno, Purgatório, e Céu jamais tenha existido empiricamente?
Sette-Câmara parece insistir na tese de que a inclinação ao simbolismo se tratem de nobreza do espírito «tradicional» (primitiva), como se esse tipo de interpretação fosse de posse e uso exclusivo das culturas primitivas — ou de tradicionalistas com sensibilidades esotéricas, que seguem o fio de Ariadne tecido por René Guénon1.
Falando apenas por mim, de fato considero a análise arquetípica ou simbólica muito mais interessante que a análise puramente estética, ou puramente literária (meramente humanista) de obras de arte. Em primeiro lugar, esse tipo de análise me permite do que se chama de «especificidade midiática»: a idéia de que cada arte está confinada ao seu «material cru» (por exemplo, que o cinema está confinado à reprodução mecânica de imagens). Por exemplo, quando vejo Claudia Cardinale, ao fim de Era uma Vez no Oeste, com seus fartos seios, dando de beber aos peões da ferrovia, eu não preciso me limitar à imagem reproduzida diante de mim (uma sexy symbol rodeada de peões suados), mas à ressonância metafísica que essa imagem necessariamente tem. Essa ressonância ativa um patamar de imaginação mais elevado do que aquilo que a reprodução mecânica, «empírica», que o filme traz pode me oferecer.
Ao final do filme, o corruptor de Cardinale foi morto, a prosperidade que lha fora prometida no início da narrativa se concretizou e ela tem uma oportunidade de vita nuova. Ela não é mais a prostituta que foi. Assim, Cardinale, ao dar de beber, é uma imagem da fertilidade misericordiosa — Virgo Lactans — que não depende dos fatos materiais da vida pregressa da personagem e muito menos do que está representado na tela do cinema. Como diz André Bazin, não se vive duas vezes e nem podemos repetir um único momento da nossa vida. O ator também não repete nada, quando está em cena, e muito menos «é» a personagem. O que a arte encarna, e aqui podemos incluir as artes performáticas, a arte literária, e qualquer outra arte, é a idéia que quer ser representada, e a arte com suas idéias pertencem a uma dimensão que «nega absolutamente o tempo objetivo» (Bazin, «Mort tous les après-midi», Cahiers du cinéma, 7, dez. 1951, p. 65).
Portanto, se a representação de Claudia Cardinale como a virgem lactante não pertence a um tempo, se não pertence nem ao tempo cênico da obra, ou de quando ela foi filmada, então ela só pode corresponder ao tempo das idéias, que é o eterno agora. As obras pertencem à imaginação, não à realidade («O ator, interpretando um papel de mulher, se apaixona pelo marido, acreditando ser uma mulher?» Śaṅkarācārya, Śataślokī, 7). Dessa forma, essa imagem se equivale a todas as outras imagens que encarnam a idéia, não importa se de maneira incidental ou deliberada, da virgem lactante. Portanto, o que vemos ao fim de Era uma Vez no Oeste é a mesma coisa que vemos ao final das Vinhas da Ira de John Steinbeck, quando Rosa de Saron dá de mamar a um adulto faminto.
Está para além de mim questionar qual a origem do simbolismo da virgem lactante, mas vale lembrar que tanto Era uma Vez no Oeste como As Vinhas da Ira se passam em cenários quentes, desolados, verdadeiras terras gastas, «drenadas pelo sol da estiva» (Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Dictionnaire des symboles. Pie à Z, Paris, Seghers, 1974, p. 384). Contudo, são as mulheres, «virgens figurativas», que provêm a saciedade: árvores frondosas pingando os últimos frutos nessa última etapa do ciclo da terra2. A imagem zodiacal intuitivamente representada em arte. (Sobre a mulher representada em árvore, veja-se Julius Evola, La tradizione ermetica, 4.ª ed., Roma, Mediterranee, 2006, p. 32.)
Certamente, para esse tipo de interpretação, não cabe nenhum tipo de análise moral, moralizada, ou moralizante. O que cabe (e isso é ainda mais importante que a fuga à limitação da especificidade midiática) é a possibilidade de escalarmos a um patamar imaginativo superior ao deleite estético ou à recreação, ao divertimento, ou à cultura de formação humanista. Isso não quer dizer, claro, que confinar-se a esse tipo de leitura, ou simplesmente ler por mero entretenimento, seja algo necessariamente ruim. Eu mesmo repito incessantemente no meu Instagram que eu não tenho um bom gosto literário. Meu consumo de ficção constitui-se primariamente de romance de detetive (Chandler e Hammett, por favor). Mas isso não me impede de identificar símbolos narrativos solares, de morte e ressurreição, e psicopompos. Em Adeus, Minha Adorada (Chandler), o detetive Philip Marlowe, após chegar ao fundo da investigação, leva uma coronhada na cabeça e passa três dias preso num quarto num hospício, donde emerge com as pistas faltantes para concluir o caso (morte e ressurreição + herói solar). No mesmo romance, uma joaninha aparece duas vezes como símbolo da persistência (psicopompo). Chandler até o coloca dizendo: «Ela subiu quatorze andares para fazer um amigo.»3
Esses exemplos podem ser estendidos indefinidamente, em outros tipos de ficção popular. No Canto de Natal de Dickens, três espíritos (psicopompos) acompanham o protagonista Scrooge em viagens noturnas ao fundo da sua alma e o fazem enxergar passado, presente, e futuro. Dessas três noites ele emerge um homem irradiante.
Jornada noturna.
Três etapas da autodescoberta.
Onde eu vi alguém fazer uma jornada à noite em três partes?
Ah, sim, foi no Corão. Talvez haja outra narrativa assim. Sei lá.
Interessa que o Canto de Natal seja inspirado na morte de um avarento cujo túmulo Dickens visitou? Ou que a ficção criminal tenha laços apertados com o fascismo? (Veja-se Andrew Pepper, Unwilling Executioner: Crime Fiction and the State, Oxford, Oxford University Press, 2019.)
Simbolismo nas artes
Finalmente, é preciso dizer que o simbolismo não se limita, de forma alguma, à mitologia. A persistência de imagens simbólicas distintas em culturas diferentes (e, muitas vezes, distantes) merece um estudo à parte. Suástica, a rosa de seis pétalas (fleur de vie; observe-se também a equivalência simbólica entre a rosa e o lótus), a roda de oito raios, a ostra como símbolo da fertilidade, a associação da lua com uma cabeça cortada (simbolismo encontrado desde os índios americanos até o Brasil) — todas essas figuras, todas essas imagens, persistem e encontram ressonância entre culturas distintas. Mesmo porque não se encontra apenas o simbolismo na literatura: ele se faz presente na arquitetura e na organização espacial, geográfica. Na maior parte do tempo, ele não depende da mitologia, mas da simples intuição popular, que independe do contato com a mitologia ou com a literatura antiga. Se antes da história escrita ou da capacidade de verbalização o primitivo já fazia labirintos, por que seria a imagem do labirinto derivada da história do Minotauro?
A tradição (e a tradição simbólica) é uma «concordância psicológica», diz Câmara Cascudo. Com isso ele quer dizer uma equivalência de percepção. O grande folclorista nordestino o escreveu em Tradição, Ciência do Povo (S. Paulo, Perspectiva, 1971, p. 119), logo após observar que o pescador natalense Chico-Preto falava o que se cantava na Beira, em Portugal: o brasileiro dizia «A Terra é Mãe! Tudo dá e tudo come!» e os portugueses cantam que Deus falou à terra: «Tudo criarás e tudo comerás!» Essa sacralidade implícita da terra é universal, e no Brasil influenciou, por exemplo a localização de certas construções, especialmente de caráter religioso. Basta ver onde está o Cristo Redentor.
O problema não está no simbolismo, mas na afobação. Na vontade angustiada que muitos recém-chegados à literatura (ou às «artes») têm em começar a ser mais inteligentes que seus pares menos lidos e corridos. Acho que o problema é o simbolismo porque, enfim, ele que se popularizou, e não a teoria mimética. Eu tenho certeza e aposto meus dois braços que se fosse Girard e não Guénon a figura popular de hoje, haveria vários jovens dizendo se perguntando «Onde está o bode expiatório?!» enquanto puxam os cabelos.
Seja como for, simbolismo é isso: uma maneira de pôrmos a cabeça num patamar mais elevado e mais íntimo da eternidade. Um patamar que nós só podemos ver «por um espelho», em representações que se desfazem à medida que a arte perde seu caráter eterno e se naturaliza.
Convém notar que fora a Ilíada e a Odisséia, quase nunca se vê «tradicionalistas» se reportando à mitologia grega, ou mesmo olhando a sociedade grega — ou a romana — com bons olhos. Talvez justamente por seguirem o fio de Ariadne guénoniano, esses neo-tradicionalistas se aborrecem com o mundo da Antigüidade, cujo legado, para Guénon, é ser a semente do mundo moderno: «O movimento iniciado pelos gregos é o que se findará com os modernos; as tendências que esposaram em seu tempo tomam hoje suas conseqüências mais extremas»; «O século VI [a.C.] foi o ponto de partida da civilização chamada de “clássica”, a única que os modernos reconhecem como “histórica”; tudo que a precede é acentuadamente mal conhecido e tratado como “lendário”... sendo que temos razão para crer que a primeira civilização foi muito mais intelectualmente interessante que aquela que a seguiu» (Guénon, La Crise du monde moderne, Paris, Gallimard, 1946, pp. 26, 24).
Não que Pedro Sette-Câmara precise ser lembrado desse simbolismo astrológico, tenho por óbvio.
Na adaptação lançada em 1944 (Até a Vista, Querida, no Brasil), há um terceiro simbolismo: o filme é contado em flashback, narrado pelo próprio detetive Marlowe, que está prestando depoimento à polícia. Perto do fim do filme, entendemos o porquê: alguém disparou uma arma perto dos seus olhos. Marlowe cego simboliza o arquétipo do narrador ou visionário cego, o qual o exemplo mais famoso é o próprio Homero.
A forma geral dos seus textos parecem com a do Olavo