A posição católica
Há um vácuo na visão brasileira sobre política. O culpado desse vácuo é Olavo de Carvalho
O pensamento politico brasileiro tem uma grave falha. Após pensarmos tanto tempo em termos de esquerda e direita, ficamos carentes de ter uma posição que responda exatamente à grande questão política do nosso tempo. Falta uma posição católica.
Por que falo isso? Porque uma vez que se pensa em categorias católicas, que correspondem às categorias da realidade, as limitações dos termos «esquerda» e da «direita» passam a ser constrangedoras. O sujeito logo se vê defendendo aquilo que pensava ser «subversivo», ou com um discurso muito «esquerdista».
A terminologia esquerda e direita serve unicamente para uma visão particular de um determinado momento histórico.
A carência brasileira: Ocupe Estelita
Aqui no Brasil tivemos uma lição bastante curiosa sobre isso. Como o debate brasileiro ainda se dava nas categorias de PT versus PSDB, a lição veio antes do problema, mas eu estou certo de que se fôssemos repetir os ocorridos hoje as peças do quebra-cabeça cairiam no mesmo lugar. Dez anos atrás, num 17 de junho, enquanto o Brasil empatava com o México em Fortaleza em jogo na fase de grupos da Copa do Mundo, a tropa de choque da PM do Pernambuco dava borrachadas para expulsar quem ocupava o Cais José Estelita.
E o que o movimento estava fazendo lá? Os galpões Cais Estelita, no centro histórico do Recife, iriam ser derrubados para dar lugar ao Novo Recife, mix de parque com condomínio de luxo. O processo de autorização das demolições foi feito de maneira duvidosa e os jovens —e não tão jovens assim— resolveram fazer alguma coisa. «[M]úsica, arte e cultura contra a especulação imobiliária, pela democratização da cidade».
Após uma dieta de anos de discurso antiesquerdista, a frase entre aspas deve suscitar os mais profundos olhares de desgosto do direitista brasileiro. Ele olha para música, arte e cultura e pensa em algo assim:
Porque além de fazer a associação de «cultura» e «democratização da cidade» com a magia verbal típica do discurso da esquerda universitária, o direitista brasileiro entende que coisas como especulação imobiliária são para ele o que dizer que há marxismo cultural é para o esquerdista: pura conspiração. Na realidade, a especulação é uma coisa muito boa:
Ou seja, não existe isso de especulação. Do que você está falando? É tudo muito bom. É o autoajuste do mercado. Se todas as cidades brasileiras estão destruindo seus patrimônios históricos com ou sem a conivência do Estado, tanto pior para a história. O que eu quero é o progresso econômico, pois o futuro pede passagem —e ache bom.
Que a defesa do patrimônio histórico arquitetônico esteja nas mãos da classe universitária dionisíaca que tenta a todo custo reviver a Tropicália realmente é constrangedor, mas por que isso acontece?
Acontece porque o discurso da direita brasileira é, bem, um discurso de direita. Isto é, está pautado nas categorias de pensamento do processo político moderno. E mais que moderno: contemporâneo. Nosso entendimento de «direita» é importado dos Estados Unidos porque ser um brasileiro de direita é apenas ser um eleitor do Partido Republicano com título do TSE.
Estritamente temporal
As pessoas às vezes dizem que não têm nada a ver com ele, mas usam essas ideias [liberais]. Eu reconheço que elas começaram a ser difundidas de fato com ele.
—Lucas Berlanza sobre Olavo de Carvalho
Como todo o mundo sabe, os termos «direita» e «esquerda» vêm da distribuição dos membros da Assembléia Nacional durante a Revolução Francesa. Aqueles que eram fiéis ao Antigo Regime sentavam-se à direita do presidente da Assembléia; os revolucionários, à esquerda. Esse breve resumo digno de Ensino Fundamental deveria ensinar uma importante lição: o espectro esquerda–direita é estritamente temporal. Isso significa que ela não pode pautar uma posição política porque ela não oferece respostas porque não parte da realidade. Parte do tempo. A terminologia esquerda e direita serve unicamente para uma visão particular de um determinado momento histórico. A insistência em pensar nessas categorias é o pior veneno que já fomos forçados a tomar.
Mas por que fomos forçados a tomar?
Porque
É só estudar as vidas de Marx, de Lênin, de Stalin, de Mao, de Guevara, de Fidel Castro, de Yasser Arafat (ou de seus acólitos intelectuais, os Sartres, Brechts, Althussers e tutti quanti) para entender do que estou falando: cada um desses homens que tiveram nas mãos os destinos de milhões de pessoas foi um deficiente emocional, cronicamente imaturo, incapaz de criar uma família, de arcar com uma responsabilidade econômica ou de manter relações pessoais normais com quem quer que fosse.
Provar que um esquerdista está errado não significa nada. Você tem é de mostrar como ele é mau, perverso, falso, deliberado e maquiavélico por trás de suas aparências de debatedor sincero, polido e civilizado.
Certo, a esquerda foi «desmascarada». E o que ficou no lugar? Ficou o antônimo de esquerda, que naturalmente é a direita. Como disse Lucas Berlanza, presidente do Instituto Liberal, a direita brasileira travou contato com idéias como liberalismo econômico por meio do Olavo, por grupos intelectuais formados pelo Olavo, «dispostos a encontrar uma bibliografia distinta das que eles tinham até então». Olavo foi o primeiro intelectual com público significativo a pregar o evangelho GOP aqui na taba. E por mais que dissesse
nunca fez questão de dar outro contraponto ao cálculo econômico socialista senão o livro Socialism (1922), do judeu Ludwig von Mises, em que o autor diz com todas as letras:
O Cristianismo batalha tanto a favor como contra o socialismo. Porém todos os esforços na busca de apoio à instituição da propriedade privada e pela posse privada dos meios de produção nos ensinamentos de Cristo são um tanto quanto em vão. Nenhum tipo de arte interpretativa pode encontrar uma única passagem no Novo Testamento que seja lida como sendo em apoio à propriedade privada.
De fato, para Olavo, as práticas do capitalismo são práticas sensatas. Diz ele: «[N]o quadro do capitalismo em crescimento, a remuneração dos empréstimos não era apenas uma conveniência prática amoral, mas uma exigência moral legítima.»
Remuneração dos empréstimos é um nome longo para usura. E por que a usura é legítima? Porque a partir do século XVIII «a função do dinheiro tinha mudado radicalmente sem que algum papa desse o menor sinal de percebê-lo.» «Daí a contradição grosseira das doutrinas sociais da Igreja, que, celebrando da boca para fora a livre iniciativa em matéria econômica, continuam a condenar o capitalismo liberal como um regime baseado no individualismo egoísta», terminando, naturalmente, no socialismo. A Igreja, para Olavo, enseja o esquerdismo, tal como Mises disse.
(Será por isso que esse texto sumiu do site do Olavo?)
Católicos espantados com o Catolicismo
Para a maior parte dos católicos no Brasil, será espantoso dizer que a solução para as dificuldades políticas e econômicas vem do Estado em função da coletividade, e não do empresariado forte e independente, como quis Olavo. Escrevendo na virada do século XIX para o século XX, o tradicionalista católico Juan Vázquez de Mella criou o termo sociedalismo. Segundo Rafael Gambra, seu principal intérprete, essa doutrina prevê que o Estado exerça uma tutela «na restauração da própria sociedade com seus órgãos naturais e sua própria vitalidade interior.» É uma tese «corporativa e orgânica», que poderia se chamar socialismo se uma outra doutrina não tivesse usurpado tal nome para representar «o estatismo absoluto, [...] a completa absorção da sociedade pelo Estado».
Quando os católicos começarão a pensar como católicos?
Artigo impressionante de Ahnaf Ibn Qais sobre o conflito global que não tardará a acontecer:
Por que a Constituição americana não pode ser interpretada à luz do direito natural:
[A] especulação tende: Alceu Garcia (pseud.), «A teoria econômica de Lord Keynes e a ideologia triunfante do nosso tempo», olavodecarvalho.org, 19 mar 2002, https://olavodecarvalho.org/a-teoria-economica-de-lord-keynes-e-a-ideologia-triunfante-do-nosso-tempo/.
O “marxismo cultural”: Leonardo Carnut e Cristiano Gil Regis, «Ofensiva burguesa em tempos de golpe: O “marxismo cultural” na educação brasileira», Temporalis, XXII, no. 43, jan/jun 2022, p. 111.
As pessoas às vezes: Apud Camila Rocha, Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil, São Paulo, Todavia, 2021.
É só estudar: Olavo de Carvalho, «O paradoxo esquerdista», Diário do Comércio, (SP), 7 ago 2006, https://olavodecarvalho.org/o-paradoxo-esquerdista/.
Provar que: Olavo de Carvalho, «Como debater com esquerdistas», Diário do Comércio (SP), 20 jun 2007, https://olavodecarvalho.org/como-debater-com-esquerdistas/.
O Cristianismo: Ludwig von Mises, Socialism, tr. J. Kahane, New Haven, Yale University Press, 1951, p. 418.
[N]o quadro, a função e Daí a contradição: Olavo de Carvalho, «Capitalismo e cristianismo», Direitas Já! https://direitasja.wordpress.com/2013/02/28/capitalismo-e-cristianismo/. Como dito no texto, esse artigo clássico do Olavo sumiu do site oficial do escritor. A remoção parece ter acontecido na atualização do site, entre junho e julho de 2019. Página salva no Wayback Machine aqui.
Empresariado forte e independente: Olavo de Carvalho, «A vitória ambígüa [sic] dos democratas», Diário do Comércio (SP), 13 nov 2006, https://olavodecarvalho.org/a-vitoria-ambigua-dos-democratas/.
Sociedalismo: Vázquez Mella, Textos de doctrina política, org. e intro. Rafael Gambra Ciudad, Madrid, Dirección General de Información/Publicaciones Españolas, 1958, esp. pp. 18 sqq.
A esquerda pauta todos as questões da sociedade no que se trata de moradia, alimentação, urbanismo, meio ambiente etc., enquanto a direita meramente reage com "mais mercado".