Carta 059: O fim do mundo moderno (I)
O mundo está mudando de maneira fundamental. Por quê? A primeira investigação numa série de textos sobre o novo ordenamento social.
O leitor deve ter notado que o mundo não é mais o mesmo desde a publicação da última newsletter. Mudou de maneira profunda, estrutural, incontornável.
Mas terá o mundo mudado para melhor ou pior? Isso depende do ponto-de-vista do leitor. No ponto de vista deste autor, o mundo avança para baixo enquanto segue para cima. Nos movimentamos com fé e força rumo ao fundo do poço; nesta trajetória descendente, o fundo do poço vai nos parecendo mais confortável. É quente, é doce. O poço se estreita e a areia lá embaixo se afofa. A queda já não será mais dolorosa. Talvez seja até bem-vinda.
Os antigos, quando caíamos, falavam: «Do chão não passa!» Era uma brincadeira, mas nesta trajetória descendente que se confirma a cada minuto como irremediável é até um alento. Do chão não vai passar. Quando chegarmos ao chão, teremos a certeza de que o pior já passou. Entre a ansiedade da queda e a dor do impacto, a primeira é pior. Na queda, pensamos: Quando isto vai passar? Depois de chegarmos ao chão, sabemos: Já passou. Melhor lamber as feridas do que adquirir outras novas.
A mentalidade descendente, a certeza de que tudo vai ficar pior, é já natural. É o modo mental da geração que nasceu sob o signo do colapso do World Trade Center, da debacle da normalidade natural, o signo do cinismo televisionado, do desmantelamento da ordem moral e do fim de tantas outras coisas que significavam de um modo ou de outro a «ordem», fosse ela boa ou má, da «sociedade global», do direcionamento cultural, social e político do nosso mundo desde o final da I Guerra até o final da primeira década do novo milênio. (Talvez num livro ou em ensaio, mais extenso, terei a oportunidade de apontar que a morte dessa ordem acontece em 2008, com a crise do mercado imobiliário americano, enquanto o enterro se deu em março de 2020, no annus horribilis; os doze anos entre uma coisa e outra formam coisa análoga à pralaya entre cada um dos yugas do Mahāyuga da tradição hindu.) É o que penso quando vejo o constante apelo àquela timidez, àquela prostração às fatalidades da vida codificada em memes e frases de efeito de cunho ou niilista ou pessimista. É meu parecer quando confrontado diversas vezes por dia com stories no Instagram sobre algo que deu errado, finalizados por aquele mantra comicamente amargo: «Daqui para frente é só para trás!»