Um tema ao qual pouco tenho retornado desde meu primeiro livro, A Imagem Estilhaçada (2020), é o tema da realidade enquanto algo externo à percepção humana.
Já falei em algumas cartas (como nesta) da minha profunda concordância com Ortega y Gasset sobre o fato da subjetividade, « la suposición de que lo más cercano a mí soy yo», ser uma espécie de doença mental. Repare que eu concordar com Ortega é algo raro. Dos espanhóis do século XX ele está longe de ser o melhor ou o mais importante. É até interessante que ele faça uma crítica assim frontal à subjetividade, já que o seu «vitalismo» é um reflexo duma atitude subjetivista que descamba no existencialismo mais despudorado.
A questão, porém, não é essa. Isto é, não é de Ortega que quero falar. Quero falar desse destampar pós-medieval chamado «percepção» ou «autoconsciência», mãe e vetor da subjetividade.
Primeiro, é preciso dizer que a subjetividade não é algo propriamente natural ao ser humano. Uma vida tomada desde o ponto-de-vista individual de uma pessoa não é uma vida propriamente humana. A subjetividade, assim, é vista como algo quase animalesco. Dizer «Eu acho» é quase como admitir que se é um bicho. Os bichos acham que estão com fome, com frio, com sede; acham que precisam copular e atender às suas necessidades naturais ali e agora.