Carta 027: Uma questão de magnitude
Anotações após dois meses duma dieta baseada em Wolfgang Smith
Ultimamente eu tenho lido muitos livros de Wolfgang Smith. Eu esperava uma leitura peculiar, que fornecesse certas perspectivas, desde o panorama da ciência moderna, sobre certos tópicos que são caros ao tradicionalismo. Não estava preparado para o que eu encontrei.
Primeiro, os dois livros que eu li — Cosmos & Transcendência e A Sabedoria da Cosmologia Antiga — são a um só tempo similares e diferentes. Estou feliz de ter lido nessa ordem. A Sabedoria é uma leitura bem mais complicada do que eu poderia ter antecipado, especialmente em sua segunda metade, quando Smith passa a abordar certas complicações da ciência astronômica e da biologia fazendo uso da disciplina em que é mestre.
Não vou mentir dizendo que entendi a argumentação técnica. Felizmente na primeira metade do livro, e também em Cosmos & Transcendência, Smith deixa clara a distinção entre universo corpóreo (aquele que apreendemos com os nossos sentidos) e universo físico (a abstração traduzida em números estudada pelos cientistas). Sem isso, jamais teria conseguido compreender o verdadeiro intuito de Wolfgang Smith, que não é explicar as teorias científicas. Não. Essas são meras contingências do trabalho dele. Smith deseja um despertar da consciência.
Caso o leitor não esteja familiarizado com o trabalho de Smith (o que será compreensível, dado que ele é um novo clássico, e, como diz Italo Calvino, clássicos são menos lidos do que citados); enfim, caso o leitor não esteja familiarizado com o trabalho de Smith, eu darei um exemplo do por que travar conhecimento com esse autor tem sido crucial.
É algo basilar para a mentalidade moderna provar que a Terra não é o centro do Universo. Só que, como diz o autor, dum ponto de vista matemático, a questão é irrelevante, por uma simples falta de referencial. Além disso, certos modelos geocêntricos (como o modelo de Tycho Brahe) são matematicamente equivalentes ao modelo copérnico-galilaico. Os dois, aliás, fazem usos de epiciclos, um «ajuste orbital» típico do modelo geocêntrico ptolemaico para «dar um jeito» em certas discrepâncias de cálculo.
Não há, portanto, nenhum motivo para termos adesão ao modelo heliocêntrico. O único motivo para odiarmos o geocentrismo é por «ideologia». O triunfo heliocêntrico, da mesma maneira de diversos triunfos do cientificismo, é uma obra de marketing, de engenharia social. Ora, a humanidade progrediu quando saiu das garras do obscurantismo religioso, que não permitia que víssemos a verdade. É tão tal que a Igreja perseguiu Galileu. O Sol galilaico no centro do Universo é um triunfo cósmico contra as forças obscuras e fantásticas do Deus cristão.
Apesar do debate sobre o geocentrismo ter se movido para o que se chama de pseudociência (note: pseudociência é uma maneira de marginalizar a dissidência anticientificista), ele tem seus representantes. Há ainda quem tente argumentar cientificamente que a Terra é o centro do universo. Basta ver as obras do católico Robert Sungenis e de Gerardus Bouw. Só que o importante não é isso. O importante é o que Wolfgang Smith desvenda sobre a epistemologia da modernidade.
O grande drama da modernidade é que a nossa epistemologia trabalha contra a nossa inteligência. A bifurcação cartesiana faz mais do que dividir o mundo entre res extensa e res cogitans. A res extensa, segundo o cartesianismo, não possui nenhum atributo qualitativo. Como Smith gosta de dizer: sou eu quem põe o vermelho da maçã. A maçã não é vermelha em si.
Isso transforma o mundo num grande quadro em branco, ou num enigma escuro. O que vemos, percebemos e descrevemos do mundo, na realidade, são as sombras e vultos entrevistos à luz duma pálida lua clara. Quem realmente consegue descrever o domínio da res extensa são esses iluminados que sabem escrever equações e que derrotaram Deus durante a Revolução Científica.
Agora me lembrei do Olavo. «Você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?» dizia ele, citando Groucho Marx em Duck Soup (1933). Devíamos acreditar nos nossos próprios olhos. Como diz Smith: a Terra pode — talvez — não ser o centro do Universo. Mas nós a percebemos dessa maneira. E ver as estrelas lá em cima, e os planetas afastados diminuindo de tamanho na abóbada celeste nós causa uma profunda impressão. Somos o centro, mas há mais coisa à Criação. Nossa jornada é subir esse Monte Carmelo de estrelas peroladas. A cosmologia filo-ateísta do mundo moderno pode nos oferecer esse apoio meditativo?
Não.
Mais uma vez, pergunto: Dá para perceber a magnitude do problema do mundo moderno?
fiquei feliz de saber que comecei pelo livro "certo" hahhaha :D
comecei a ler o Cosmos & Transcendência, não é uma leitura fácil